terça-feira, 16 de janeiro de 2018

"Vigésimo Oitavo" pela "Bonifrates Júnior"

Imagem  cedida pela Companhia Bonifrates ao jornal A Cabra e publicada aqui.
A peça "Vigésimo Oitavo", levada à cena pela Companhia de Teatro Bonifrates, de Coimbra, apresenta-se como "uma criação performativa, composta por filmes e cenas em palco, protagonizada por atores entre os sete e os dezoito anos". Vi-a nas suas primeiras representações e devo dizer que o seu todo (texto, realização, representação...) me surpreendeu. Transfor mo as razões da minha supresa em perguntas que dirijo ao professor de Filosofia e também encenador e actor João Paulo Janicas, porque, neste caso, foi também o guionista e director. 
P: O vigéssimo oitavo artigo da Convenção sobre os Direitos da Criança, que reafirma o vigéssimo sexto artigo da Declaração Universal dos Direitos Humanos, está consagrado na nossa Constituição da República e na nossa Lei de Bases do Sistema Educativo, o que, de resto, acontece, em muitos países ocidentais. Os políticos da esquerda à direita integram-no nos seus programas eleitorais e fazem-no constar em todos os documentos destinados ao ensino... A minha questão é: sendo esse direito tão consensual e estando ele legitimado, justifica-se determo-nos nele, interrogá-lo?  
R: A nossa convicção da necessidade de interrogar o direito à educação justifica-se, a nosso ver, pelo menos de dois pontos de vista. Foram estas as razões que nos motivaram a desenvolver esta criação com as crianças e jovens que integram a Bonifrates Júnior (porque é um projeto que não é só artístico mas também educativo) e a propô-la para a programação da XIX Semana Cultural da Universidade de Coimbra (recordo, com o tema “Quem somos nós?”). Por um lado, não podemos esquecer que a educação não é nem um direito adquirido, nem um direito acessível para milhões de crianças e jovens em muitas regiões no mundo; não o será também nas mesmas condições, sequer no nosso país. Também não o era para a geração dos nossos pais e avós. Foi para a fragilidade do que para nós parece tão consensual e legitimado, quase natural, que quisemos chamar à atenção dos jovens com que trabalhamos nos juniores da Bonifrates, em primeiro lugar. Mas também, por outro lado, para suscitar, face à atitude e ao discurso tantas vezes anti-educativo, mesmo anti-escolar, de muitos “ditos” estudantes, de muita opinião do senso-comum e sobretudo dos que vampirizam a ignorância e a miséria dos povos, a interrogação sobre se a escola, tão cheia de defeitos e sempre em crise, não é um bem civilizacional e pessoal que interessa preservar, cultivar e defender e que está ainda longe de atingir os seus desígnios. 
P: A peça que pretende ser "uma provocação sobre o valor que a escola tem (ou não tem) no mundo atual". Ponho-lhe uma dupla pergunta: A escola tem valor num mundo, que já dizemos "do futuro"? E presumindo que me diz que tem valor, que valor tem de modo a cumprir o tal vigésimo oitavo artigo?  
R. Disse muito já na resposta anterior, mas acrescentaria que o valor da escola, mesmo perspetivando-a apenas nas condições “normais” em que a conhecemos no mundo ocidental, continua a ser um espaço de construção da identidade individual, seja pela identificação, seja pela contestação, de mediação social e de convivência, mesmo que no plano cognitivo ou tecnológico outros meios possam levar à estas aquisições. Agora, este aspeto relacional é um aspeto que, a meu ver, interessa recuperar, defender e valorizar, se consideramos que na redução às formas de mediação eletrónicas atuais se está a perder a mediação física, de comunicação face a face, e de acolhimento do outro que são essenciais ao ser humano.  
P: Tendo o vigéssimo oitavo artigo validade universal, a peça lança dúvidas sobre o seu acolhimento universal, seja, como dizem, por causa da própria proibição da escola, da sua venda, sob múltiplas formas, do desprezo a que se pode votar, etc. Que razões lhe parece serem as prevalecentes? Em países como o nosso podemos descansar relativamente a estas ameaças ou, pelo contrário, devemos estar atentos? 
R: Não podemos dar a educação como uma realidade adquirida, de facto. São muitas as desigualdades, tanto a nível económico, como social e cultural. E essas diferenças minam as expectativas, as vivências e, evidentemente, os resultados dos que passam pela escola. 
P: Dizem ter-se inspirando nas palavras da jovem Malala Yousafzai: “uma criança, um professor, uma caneta e um livro podem mudar o mundo”. Palavras simples mas que soam estranhas quando confrontadas com as grande declarações para a educação, onde a sofisticação linguística, metodológica, tecnológica marcam presença. 
R: É isso mesmo. O essencial não está na sofisticação dos meios, mas em perseguir os sábios fins de conhecer o mundo e os outros e em transformar o que temos em algo melhor. 
P: Por último, mas talvez o mais importante: os actores são jovens, alguns muito jovens. Como se consegue uma representação como a deles, na qual se percebe a interiorização de um texto na qual ressaltam questões tão complicadas como são as que se prendem com o sentido da educação? 
R: Ouvir muito e falar muito ajudam, mas o mistério do teatro ajuda mais. 
Obrigada! 

2 comentários:

Anónimo disse...

Como primeiro passo para tentarmos ultrapassar a crise de perda de sentido que a escola secundária atravessa, temos de reconhecer que a escola fascista, que formava os estratos mais baixos do funcionalismo público, dos bancários, dos trabalhadores do comércio e da indústria, ou que servia de trampolim para alguns que almejavam os cursos superiores, foi substituída por uma escola de fachada, onde as capacidades cognitivas dos estudantes são o fator menos determinante do seu sucesso escolar. A filosofia prevalente nos nossos dias diz que tal como nascemos todos da mesma maneira, também devemos ter todos um canudo de licenciado à saída da universidade, ou de um instituto politécnico equivalente. As caricaturas de exame que os setores mais retrógrados da sociedade conseguiram impor, apesar da resistência feroz dos doutores das ciências da educação, ainda vão dando alguma consistência ao sistema educativo público, mas nos colégios já há muito tempo que se vendem as classificações de acesso ao ensino superior. É irracional gastar rios de dinheiro com formação escolar, boa ou má, de pessoas que acabam por ir trabalhar para o estrangeiro. Para o sistema voltar a entrar nos eixos, algumas medidas a tomar não são tão complicadas como podem parecer à primeira vista. Por exemplo, dado que os doutores são tantos que já nem cabem no país, porque não baixar a escolaridade obrigatória para os 16 anos e impor numerus clausus de acordo com as necessidades de mão-de-obra futura?
Os portugueses, tal como os estrangeiros ricos, ainda precisam de jardineiros, relojoeiros, trolhas, pintores, camionistas, tratoristas, operadores de grua, e outras profissões de formação média, tão dignas e necessárias como as profissões de formação superior.

Anónimo disse...

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