quinta-feira, 29 de dezembro de 2016

Ciência entre Poesia e Metáforas

Texto que escrevi inicialmente para o projeto Ciência na Imprensa Regional.


Vivemos numa época em que a atividade científica é realizada a uma escala global, com milhares de cientistas em inúmeros grupos de investigação e nas mais diversas áreas. Os resultados destas pesquisas são publicados em revistas científicas internacionais, com linguagem quase hermética resultante do elevado grau de especialização, e, portanto, praticamente inacessíveis aos restantes cidadãos. É neste contexto que nos apercebemos da enorme importância que têm os divulgadores de ciência ao selecionar, desmontar e explicar, de modo compreensível a todos, os resultados da investigação internacional.

Vem esta reflexão a propósito do mais recente livro, “Íris Científica 3”, do divulgador de ciência António Piedade. Este é um livro dividido em duas partes, em que o autor, primeiro, olha para fora, falando-nos das pesquisas mais recentes sobre o espaço, para depois olhar para o que se passa no nosso planeta, abordando a investigação laboratorial. As macro e micro escalas encontram espaço neste livro de cerca de 140 páginas. São pequenos textos que nos falam dos mais diversos temas científicos, de um modo fascinado e literário, quase poético. Aliás, não poderia começar de melhor maneira: “Olho o conhecimento com um deslumbramento novo!”. Ou ainda, mais à frente, antes de falar da gama do espetro da luz solar que os nossos olhos são incapazes de captar, escreve: “Abraço o arco-íris com o olhar visível”. Um último exemplo, já no final do livro, após explicar a cor das folhas das árvores nas várias estações, recorrendo à fisiologia das plantas, conclui: “Disfrutemos a beleza da paleta outonal, pois não há outra igual!”.

Este é ainda um livro de desafios, quando, por exemplo, começando por falar da Terra incita-nos a calcular a massa da via láctea. Ou qual a quantidade de cálcio ou sódio existe no nosso corpo, ou ainda o que está a acontecer à mancha vermelha de Júpiter?

Ao mesmo tempo que o autor divulga a investigação realizada, aproveita também para partilhar algumas reflexões, como no caso em que, ao falar da cooperação entre as primeiras células que foi necessária para o desenvolvimento da vida na Terra e ao falar da cooperação entre astrónomos de vários países que permite observações de campos recônditos do cosmos, constata quão importante é a cooperação para a vida assim como para as nossas atividades quotidianas: cooperando alcançamos “aquilo que sozinhos não conseguimos, ou levamos mais tempo a atingir”.

Outro aspeto relevante, e que pode passar despercebido à maioria dos leitores, é como a situação social está a afetar a nossa vida, o que se reflete na nossa maneira de pensar e por conseguinte de comunicar. Como vários investigadores têm notado, o contexto bélico do século XX influenciou a criação de metáforas em bacteriologia e imunologia, com bactérias que atacam, um sistema imunológico que se defende dos invasores e um interior do corpo humano que é um campo de batalha. No presente, António Piedade fala da genética numa linguagem diferente, em que menciona “diálogo” entre cromossomas, interação com um “governo bioquímico que estamos longe de entender bem”, “confrontação democrática”, “tendências”, ou “economia genética”. Sinais dos tempos em que a preocupação com a guerra deu lugar à preocupação com a situação política e económica, criando uma linguagem de pensamento nova.

Os textos de “Íris Científica 3” resultam de crónicas que tem escrito para o projeto Ciência na Imprensa Regional – Ciência Viva. Este livro vem juntar-se aos outros dois anteriores, formando uma coleção que vale a pena acompanhar e, decerto, ser estudada do ponto de vista académico num futuro próximo. 

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