segunda-feira, 24 de outubro de 2016

DINOSAURIER-FREILICHTMUSEUM DE MUNCHEHAGEN (HANNOVER) E OS OVOS DE DINOSSÁURIO DA LOURINHÃ NA TELEVISÃO DE MUNIQUE


À memória de Horácio Mateus (1950-2013) fundador do Museu da Lourinhã

A. Galopim de Carvalho

“Corria o ano de 1994, estávamos, a Isabel e eu, na Alemanha, nos arredores de Hannover, de visita ao famoso museu de ar livre, Dinosaurier-Freilichtmuseum de Munchehagen, quando um canal de televisão de Munique, sabendo da minha presença ali, pretendeu entrevistar-me a propósito da descoberta, na Lourinhã, mais precisamente, em Pai Mogo, de ovos de um dinossáurio terópode com embriões por eclodir, recentemente anunciada pelos seus felizardos achadores, Isabel e Horácio Mateus (na fotografia ao lado), do museu local.

Iniciado por um empenhado grupo de amadores e embora pequeno, o Museu da Lourinhã, dispõe hoje da mais vasta e diversificada representação de fósseis de dinossáurios do Jurássico superior de Portugal, sendo, por isso e graças ao dinamismo dos seus membros, bem conhecido, não só por paleontólogos nacionais e estrangeiros, mas pelo cidadão, em geral.

Soterrados antes de eclodir, os esqueletos dos minúsculos embriões da Lourinhã aguardaram cerca de 150 milhões de anos até que a erosão do terreno os colocou a descoberto e permitiu ao afortunado casal reparar neles e fruir o justo mérito de ter trazido este excepcional achado ao conhecimento do grande público, sempre ávido de tudo o que envolve estes animais do passado, e à comunidade científica, em particular.

Fragmentos de cascas de ovos de dinossáurio encontram-se a cada passo nos terrenos areno-argilosos, por vezes calcários, desta região, uma das mais ricas em ossadas fósseis destes animais, numa riqueza que contrasta com a penúria das verbas investidas pelo Estado na investigação e na divulgação científicas deste sector da ciência e da cultura.

Por todo o mundo são frequentes os achados de ovos destes vertebrados pré-históricos, quase todos nos terrenos do Cretácico, sendo, porém, raríssimos os que encerram embriões. Magnífica instituição ao serviço da paleontologia, que estávamos a visitar, o Dinosaurier-Freilichtmuseum de Munchehagen, a convite do seu director, Herr Bernd Wolter, consta de uma vasta área florestada, em torno de uma jazida com pegadas de dinossáurios do Cretácico (cujas extensão e qualidade estão muitíssimo aquém das nossas da Serra d’Aire e de Vale de Meios, Santarém).

Valorizado por muitas dezenas de réplicas em tamanho real e bem enquadradas no ambiente natural, este parque, simultaneamente, lúdico e educativo, expõe ainda aos visitantes (na ordem das centenas de milhar por ano), oficinas pedagógicas, múltiplas propostas interactivas e um valioso espólio de fósseis autênticos, com destaque e segurança máxima para um ovo de dinossáurio com o respectivo embrião à vista.

Para nos guiar nesta visita de meia dúzia de dias, que incluiu os principais aspectos da geologia regional da Vestefália, tivemos a simpática e grata companhia do Prof. Detlev Thies, da Universidade de Hannover. Foi neste Freilichtmuseum, para mim, um exemplo do que se poderia fazer neste nosso sempre adiado “jardim à beira mar”, que atendi o telefonema do jornalista do dito canal de televisão e, no dia seguinte, recebi toda a equipa de técnicos que trouxe consigo.

Numa dependência deste estabelecimento, disponibilizada para o efeito, tendo por fundo um enorme e bem esticado pano azul e comodamente sentado ao lado do entrevistador, lá fui respondendo, na medida do que me era dado saber sobre o achado que pôs Portugal nos media internacionais.

Porquê eu a ser entrevistado sobre um acontecimento do qual, nem de perto nem de longe, fora protagonista, e como é que a televisão de um país estrangeiro deu comigo em terra sua?

Acontece que, durante mais de uma década, e na qualidade de director do Museu Nacional de História Natural, promovi a concretização de vários projectos de investigação neste domínio. Nestas funções, proporcionei aos jovens investigadores e estagiários do nosso Museu todas as condições necessárias à progressão na carreira que haviam escolhido, arranjei-lhes orientadores científicos no estrangeiro (porque os não havia em Portugal), proporcionei-lhes convívio dentro e fora do País, com especialistas de renome, estimulei-os a publicar os seus trabalhos (e foram muitos) e facultei-lhes as condições para que o concretizassem.

Acresce que, a par desta actividade, se produziram aqui as mais espectaculares exposições de dinossáurios de que há memória em Portugal, com centenas de milhar de visitantes, amplamente noticiadas. Com toda a razão e justificadamente, o nosso Museu voltou a ser (já o fora na viragem do século XIX ao XX) a entidade nacional mais envolvida na paleontologia e na paleobiologia dos dinossáurios, e eu, sem me dar conta disso, passei a ser figura central neste domínio do saber. ”Pai dos dinossáurios” “avô dos dinossáurios” e, até, pasme-se, “o maior especialista português em dinossáurios”, é assim que tenho sido tratado, algumas vezes por alguns jornalistas muito simpáticos, diga-se, mas ignorantes do tema sobre o qual falam e escrevem, e bastantes mais vezes, ao ser apresentado em muitas das palestras que proferi por todo o País (ainda faço uma ou outra), em escolas, centros culturais, bibliotecas municipais, sociedades recreativas, etc.

Nestas sessões, num número que ultrapassa as duas centenas e das quais a comunicação social se foi fazendo eco, sempre fiz questão de esclarecer a assistência sobre o meu verdadeiro papel nesta problemática. Sou, de facto, um acérrimo defensor deste ramo do saber, criei condições mínimas necessárias ao seu ressurgimento, entre nós, de alguns estudiosos nesta área, assumo-me como um divulgador, mas não fui nem sou um investigador nesta área.

O mérito que, eventualmente, possa ter nesta matéria está, sim, em ter trazido estes grandes bichos para o seio da sociedade portuguesa, com todas as vantagens que isso trouxe aos financiamentos da investigação que, só assim, pôde ser produzida e, sobretudo, para a valorização e preservação do nosso invulgarmente rico património paleontológico neste domínio.

Como consequência deste equívoco, que sempre procurei desfazer, foram várias as vezes que a comunicação social veio ao meu encontro, convencida que este ou aquele achado, esta ou aquela notícia tinham algo a ver comigo.

Não raro, caíram sobre mim, indevidamente, os louros de uma ou outra descoberta ou investigação nas quais não tive qualquer intervenção. Foi algo muito próximo disto que trouxe até mim o citado canal televisivo alemão.

Mais uma vez, não deixei de esclarecer que nada me ligava à excepcional descoberta daqueles meus dois amigos da Lourinhã, que tiveram aí o prémio do muito empenho que, anos a fio, puseram ao calcorrear e observar, palmo a palmo, estes terrenos”.
A. Galopim de Carvalho

Sem comentários:

NOVA ATLÂNTIDA

 A “Atlantís” disponibilizou o seu número mais recente (em acesso aberto). Convidamos a navegar pelo sumário da revista para aceder à info...