quarta-feira, 30 de abril de 2014

A SEGUNDA REVOLUÇÃO QUÂNTICA: TECNOLOGIA QUÂNTICA

A propósito da necessidade (ou não) de um segundo 25 de Abril, ou de uma segunda revolução francesa, global, ocorre-me escrever algumas palavras sobre a emergência de uma segunda revolução quântica [1].
A primeira revolução quântica deu-nos novas regras que governam a realidade física. A segunda revolução quântica usará essas regras para criar novas tecnologias. Tudo indica que nas próximas décadas surgirão tecnologias quânticas, tais como tecnologias de informação quântica, sistemas quânticos electromecânicos, electrónica quântica coerente, óptica quântica e tecnologias da matéria coerente.     
A primeira revolução quântica começou no início do século passado, com a tentativa e explicar os resultados de experiências envolvendo a radiação do corpo negro, e durou quase três décadas. Dessa teoria surgiu a ideia fundamental da dualidade onda-partícula: a ideia de que tanto a luz como as partículas de matéria se comportam, umas vezes como ondas, outras vezes como partículas. Esta ideia está na base de quase todos os progressos científicos e tecnológicos associados a essa primeira revolução. A química moderna e a física dos semicondutores, que é o suporte das tecnologias de informação, resultaram do conhecimento de que o electrão se comporta como uma onda. O conhecimento de que uma onda de luz tem, em certas circunstâncias, de ser tratada como partícula, levou à explicação do efeito fotoeléctrico, à tecnologia das células solares fotovoltaicas, das máquinas de fotocópia e dos lasers
A segunda revolução quântica que aí vem será responsável por muitas das tecnologias (físicas) do século XXI.  
A tecnologia quântica assenta na organização e controle das componentes de sistemas complexos governados pelas leis da física quântica, em oposição à tecnologia convencional que se desenvolveu no contexto da física clássica.   
Uma das tendências dominantes na inovação tecnológica é a miniaturização, que consiste em produzir dispositivos cada vez mais pequenos. Estamos a chegar ao tamanho dos átomos e das moléculas, com dimensões da ordem do nanómetro (um nanómetro é um milionésimo de um milímetro), em que o projecto terá de se basear nos princípios da mecânica quântica.    
A diferença entre ciência e tecnologia reside na capacidade de usar o conhecimento científico para alterar a natureza em nosso proveito e não apenas para explicar os fenómenos que nela ocorrem. Na segunda revolução quântica estamos activamente a usar a mecânica quântica para modificar, em nosso proveito, aspectos quânticos do mundo físico. Para além de explicar a tabela periódica, podemos simular átomos (pontos quânticos, por exemplo) com as propriedades electrónicas e ópticas desejadas. Podemos criar novos estados quânticos artificiais, com novas propriedades de precisão e correlação não-local, no desenvolvimento de novos computadores e sistemas de comunicação. Deste modo, a mecânica quântica, bem estabelecida como ciência, está a dar origem a uma engenharia quântica como uma tecnologia emergente. É apenas uma questão de estar no sítio certo e na altura certa para tirar proveito destes novos desenvolvimentos.        
De entre os princípios, que suportam esta tecnologia, salientam-se a quantização, o principio de incerteza, a sobreposição quântica, o efeito de túnel, o entrelaçamento quântico e a descoerência.
As ferramentas da tecnologia quântica baseiam-se numa engenharia de precisão que irá requerer medidas de alta precisão, pelo que vamos precisar de uma metrologia quântica. Precisaremos de sistemas de controle quântico, com feedback, correcção de erros, etc. Serão necessários protocolos de comunicação quântica, com novos meios de interconectividade em sistemas complexos — está à vista uma internet quântica, que irá precisar de novos protocolos de comunicação e computação quântica.
As tecnologias quânticas incluirão as tecnologias de informação quântica, com os seus algoritmos, criptografia e teoria de informação quânticos. Teremos sistemas quânticos electromecânicos, por exemplo, baseados em microscopia de força atómica de ressonânica magnéica de um só spin. Está emergente a electrónica quântica coerente, usando, por exemplo, circuitos quânticos de supercondutores. Já começou a era da fotónica quântica, da spintrónica (electrónica baseada em spins) e começa a da electrónica molecular coerente. A electrónica molecular poderá usar métodos de auto-montagem típicos dos sistemas biológicos, dando origem a uma nanotecnologia biomimética. Os novos materiais como o grafeno e os nanotubos estarão no foco dos nanodispositivos quânticos ao nível molecular, funcionando em regimes baseados quer na física clássica quer nos princípios quânticos. 
Uma listagem de tecnologias quânticas à vista incluirão certamente, com estes nomes ou com outros com significado idêntico:
  • Computadores quânticos de estado sólido
  • Óptica quântica
  • Interferometria quântica
  • Litografia e microscopia quânticas
  • Imagiologia não-interactiva por interferência (obtenção de imagens com fotões que não interactuam directamente com o objecto observado)
  • Teleportação quântica
  • Lasers atómicos (que geram feixes de átomos, ou ondas de matéria coerentes, como um laser gera um feixe de luz coerente)
Surgirão ainda novas tecnologias quânticas agora totalmente impensáveis. 
Estas tecnologias estarão brevemente à disposição da humanidade, para o bem e para o mal. Algumas dão já os primeiros passos com aplicações comerciais como a criptografia quântica já utilizada, por exemplo, na segurança de telecomunicações, como em transferências bancárias. Em Portugal há vários projectos em curso visando algumas dessas tecnologias, em particular no Instituto de Telecomunicações, onde se investiga, que me ocorra de momento, a física da informação quântica e a segurança quântica, comunicações ópticas envolvendo apenas um ou um número muito pequeno de fotões, e electrónica molecular. 

[1] Jonathan P. Dowling and Gerard J. Milburn, “Quantum technology: the second quantum revolution”, Phil. Trans. R. Soc. Lond. A 2003 361, 1655-1674


Luís Alcácer

5 comentários:

Pedro disse...

"A primeira revolução quântica deu-nos novas regras que governam a realidade física."

A que "primeira" revolução quântica se refere? À Mecânica Quântica? À Teoria Quântica de Campos? À Cromodinâmica Quântica? À Gravitação Quântica? etc, etc. É que são muitas as revoluções quânticas para ser(em) todas a primeira, não está a ver? Eu creio que não. Depois "regras que governam a realidade física"???? Se hoje já é quase infantil falar que as teorias são feitas das "regras que governam a realidade", no caso da quântica e suas revoluções esse mito roça o patético. E nem me refiro à questão óbvia dos enormes problemas com o realismo que as "teorias" quânticas têm. Até pudemos fingir que não vimos, mas o problema é ainda outro: é que aquelas "teorias" ou modelos que fizeram as várias revoluções quânticas, para além de padecerem de uns quantos problemas internos, por sinal bem sérios, têm umas certas dificuldades em compatibilizarem-se. Cada uma têm as suas "regras que governam a realidade física". Está a ver? Pois, quase certo que não.
Por fim, a sua lista da revolução futura. Claro que sim, que as aplicações das quânticas vão transformar o mundo. Mas vejamos: computadores quânticos já existem e por sinal estão a ser um flop; óptica quântica é assunto que vem do século passado; o mesmo relativamente aos dois pontos seguintes na lista e quanto aos últimos três não se percebe exactamente a que se refere: teleportação de humanos ou de partículas individuais? É que a segunda também já é supostamente do século passado e a primeira tem imensos problemas. Não sei se está a ver. Pelo que já li de si, já sei não.

Carlos Ricardo Soares disse...

«A diferença entre ciência e tecnologia reside na capacidade de usar o conhecimento científico para alterar a natureza em nosso proveito e não apenas para explicar os fenómenos que nela ocorrem. Na segunda revolução quântica estamos activamente a usar a mecânica quântica para modificar, em nosso proveito, aspectos quânticos do mundo físico.»

Alterar a natureza em nosso proveito? E porque não dizer, simplesmente, alterar a natureza? Uma vez que a questão do proveito é justamente uma questão em aberto, não apenas para a ciência, como para a filosofia, etc....?
Há efetivamente um poder na aplicação do conhecimento, ou, se preferirmos, a nossa ação sobre a natureza tem consequências. A história e a experiência ensinam-nos que quanto mais conhecimento e capacidade de agir sobre a natureza maior é perigo e a responsabilidade. A civilização mais recente está cheia de exemplos de proveito, mas também da falta de proveito das tecnologias. A comunidade científica não tem dado mostras de sentido histórico, ético e humano, quando se trata de decidir pela utilização de todo o tipo de técnicas e de tecnologias, por ex., quer afetem diretamente as vidas humanas, quer afetem os ecossistemas e coloquem sob ameaça de destruição o nosso planeta. É como naquela lógica de "prognósticos só no fim do jogo"? Ou esta parte já não é da conta da ciência?

De Rerum Natura disse...

Agradeço a oportuna chamada de atenção.
Concordo que a tecnologia não é necessariamente em proveito da humanidade. São evidentes as consequências de muitas das tecnologias na degradação do ambiente natural e social. Além disso, ao contribuir para o valor acrescentado na produção de bens, ao mesmo tempo que o trabalho especializado se banaliza, diminuindo a sua valorização, o desenvolvimento tecnológico está a contribuir para o aumento da desigualdade social, a nível global. Daí a minha dica sobre a revolução francesa e a frase “para o bem e para o mal”. Estou muito consciente desta situação e procuro compreendê-la. A este propósito, está a gerar muito interesse o livro que estou a ler, “Capital in the Twenty-first Century” de Thomas Piketty, cuja referência pode ser lida no New Yorker de 26 de Março de 2014, aliás mencionado no Publico de hoje num artigo de Sérgio Aníbal.
Confunde-se, em geral, a imagem da ciência com a da tecnologia e divulga-se essa confusão considerando científico tudo o que é tecnológico, ignorando a dimensão própria da ciência, da qual a tecnologia é apenas uma aplicação e uma consequência. O cientista, como qualquer membro da sociedade, está necessariamente condicionado por princípios éticos.
Luìs Alcácer

Anónimo disse...

Só alguém muito, mas mesmo muito, ignorante confunde "Ciência" com "Tecnologia". Mas, é claro, quando alguém chama à Ciência uma imagem e troca os pés pelas mãos afirmando que Ciência e Tecnologia são confundidas em geral (!!) por que se considera "científico tudo o que é tecnológico, ignorando a dimensão própria da ciência, da qual a tecnologia é apenas uma aplicação e uma consequência"....se a tecnologia é apenas uma aplicação e uma consequência da ciência (que não é e basta pensar no conceito de tecnociência, mas vamos lá aceitar) então estará correcto dizer que é científico tudo o que é tecnológico. É coerente e portanto incoerente com a pretensão do autor que essa seria a fonte da confusão. Quem se confunde é o próprio autor.

Quanto aos princípios éticos segundo os quais os cientistas estão condicionados, quais são, diga lá quais são esses princípios e como têm condicionados os cientistas....do plágio às experiências com humanos; das patentes de moléculas às intimas colaborações com forças militares e empresariais...sim; muito condicionados por princípios éticos (adivinho até que o autor não fará ideia o que isso da ética...).

Que pobreza.

Anónimo disse...

"partículas de matéria se comportam, umas vezes como ondas"

Para além do mau português em que é escrita, esta frase repete um disparate que é tão vulgar como grave...e é enormemente vulgar. As "partículas" sejam de matéria ou outras são DESCRITAS como ondas (de probabilidade, por sinal....) e não, não se comportam como ondas. Quem não percebe a diferença, não percebe nada dos fundamentos conceptuais da Mecânica Quântica.

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