sexta-feira, 30 de setembro de 2011

A ESCOLA TEM DE ADIVINHAR O FUTURO


Entrevista que dei à jornalista Sara Oliveira, do portal Educare, a propósito das Conferências sobre Educação da Fundação Francisco Manuel dos Santos (FFMS):

EDUCARE.PT (E): Aprender a aprender é o tema da primeira conferência. O que parece uma redundância é, de facto, uma das questões-chave da Educação no nosso país?

Carlos Fiolhais (CF): "Aprender a aprender" é uma expressão que se tem ouvido muito. Está presente em inúmeros documentos dos programas portugueses, onde reina uma visão construtivista da pedagogia. Para alguns, mais importante do que a aprendizagem dos conteúdos, é a possibilidade que ela oferece de estarmos recetivos a aprender mais. Para outros, essa expressão não passa de um chavão que, no fundo, pretende desvalorizar os conteúdos em favor das metodologias, uma intenção afinal sem fundamento pois não se podem desligar conteúdos de metodologias. Aprende-se sempre alguma coisa em concreto.

A Fundação Francisco Manuel dos Santos (FFMS) acha que esta dicotomia conteúdos-métodos deve ser discutida. Vamos discuti-la. O debate para o qual agora convocamos todos os interessados passa por cientistas da cognição e psicólogos. Como aprendemos? Há melhores formas de aprender do que outras? Que fatores favorecem a aprendizagem? As modernas neurociências e a moderna psicologia experimental oferecem-nos novos meios de olhar o assunto.

E: Quem tem de aprender a aprender? Os alunos? Os professores? Os pais? Todos?

CF: Os alunos, os professores, os pais, todos podem e devem aprender. Aprender faz-se na escola e fora dela, no tempo da escola e ao longo da vida. Mas os alunos, evidentemente, estão numa fase em que a aprendizagem se faz praticamente a tempo inteiro, estão numa fase em que se estão a preparar para a vida futura. Ora, a escola é o sítio onde devem aprender, foi o sítio que a humanidade inventou para isso. À medida que aprendem vão verificar que ficam evidentemente capazes de aprender ainda mais. Pedem-se várias coisas da escola, mas deve-se pedir sobretudo que nela se aprenda, o que implica necessariamente que nela se ensine, pois não há escola sem professores. É responsabilidade dos alunos aprender, é responsabilidade dos professores ensinar e é responsabilidade dos pais exigir a alunos e a professores que cumpram a sua obrigação.

E: Qual a principal mensagem do livro "Em causa: aprender a aprender", que será lançado em outubro?

CF: A cada conferência está associado um livrinho, que contém textos de apoio e que estará à disposição dos participantes. Isso permitirá que os debates cheguem mais longe do que as sessões presenciais. O livro sobre "aprender a aprender" contém as várias posições a propósito desse título por conceituados psicólogos da Universidade de Carnegie Mellon, nos Estados Unidos, e por dois especialistas portugueses, da Universidade do Minho e da Universidade de Lisboa. Não me vou antecipar, o melhor é ir à conferência e ficar com o livro para refletir. Os livros também poderão, depois das conferências, ser comprados nas livrarias.

E: A escola tem ensinado os alunos a encarar novos desafios, a enfrentar novas situações?

CF: Não há dúvida que a escola tem mudado à medida que a sociedade muda. Parece-nos, porém, muitas vezes, que a sociedade muda mais do que a escola. E isso leva-nos a pensar que temos de mudar ainda mais a escola. De facto temos. A escola é e deve ser cada vez mais uma realidade dinâmica. Mas temos de ter algum cuidado ao fazer isso: a escola tem obrigação de transmitir o que for, em cada época, julgado mais importante entre a enorme herança do passado. A escola tem de ser progressiva, adivinhar o futuro, mas ao mesmo tempo tem de ser conservadora, tem de transmitir os ensinamentos mais seguros do passado.

E: Num momento em que a Educação é uma área sensível, em que as políticas são contestadas nas ruas, o que importa debater? O que é importante mudar?

CF: Há várias questões que importa debater e há várias coisas que é preciso mudar. A FFMS quer ter e proporcionar uma visão mais profunda do que a que resulta da "espuma dos dias", da política contestada nas ruas. Queremos saber, por exemplo, onde estamos e para onde devemos ir no ensino do Português e da Matemática. Como estamos e para onde queremos ir nas ciências experimentais. Queremos, através de projetos de estudo, efetuar comparações internacionais sobre exames, horários escolares, exigência curricular, gestão das escolas, formação de professores, etc. E averiguar o que precisamos fazer para nos aproximarmos dos países mais desenvolvidos. A nossa comparação não deverá tanto ser com nós próprios no passado mas mais com os outros, que estão melhores do que nós, no presente.

E: O ensino experimental das ciências é outro assunto a analisar. Este ensino deverá ser uma presença assídua nos programas curriculares, independentemente dos conteúdos e das idades dos alunos?

CF: Sim, esse ensino deve ser uma presença nos programas. Mas é essencial nas idades mais baixas. Precisamos de mais e melhor ciência na escola, em particular nessas idades. Uma das maneiras de seduzir os jovens para a ciência, e até a melhor maneira para os levar a perceber o que é a ciência, consiste em generalizar na escola a experimentação. Para descobrir o mundo a ciência tem de "agarrar o mundo" com as mãos. Nos nossos jardins-escolas, no nosso ensino básico, as nossas crianças e jovens estão a "agarrar o mundo" com as mãos? Infelizmente, não o estão a fazer na medida suficiente.

E: A ciência é uma área que está a ser tratada como merece?

CF: A ciência em Portugal tem feito progressos extraordinários. Há mais investigadores, há mais projetos financiados, há mais dinheiro investido. E, com isso, publicam-se mais artigos, formam-se mais pessoas e espera-se que haja mais riqueza no sistema produtivo. Mas já o progresso não será o mesmo se analisarmos a educação científica nas escolas. A ciência ainda aparece algo escondida nos programas (chama-se-lhe até "Estudo do Meio" no 1.º ciclo) ou com pequena carga horária. O último teste internacional (PISA 2009) revelou alguns avanços, mas deixa-nos ainda, na área da ciência, abaixo da média internacional. Temos, por isso, de procurar fazer melhor.

E: Aprender uma segunda língua é o tema que será debatido em dezembro. As práticas internacionais serão analisadas para se perceber qual o exemplo que deverá ser seguido?

CF: Sim. O Inglês é, em Portugal, cada vez mais uma segunda língua. O seu ensino tem-se generalizado no Ensino Básico, em particular no 1.º ciclo. Mas a segunda língua aprende-se de forma diferente da língua materna, e estamos interessados em perceber o melhor modo de o fazer. Em vários países da Europa, o Inglês está mais difundido do que aqui e queremos aprender com as melhores práticas. O mesmo se pode dizer de outras "segundas línguas" como o Espanhol, o Francês ou o Alemão.

E: Como coordenador pedagógico, quais as bases em que se alicerçou para escolher os temas?

CF: Os temas já tinham sido escolhidos no ano passado, uma vez que estão na sequência natural dos temas escolhidos para as primeiras Conferências de Educação da FFMS, que foram "O valor de educar, o valor de instruir", o ensino da Matemática ("fazer contas ajuda a pensar?") e o ensino do Português ("como se aprende a ler?). Todas estas são questões-chave de educação. E haverá mais para o ano.

E: A presença de especialistas internacionais nas conferências - como Lynne Reder, professora de Psicologia da Universidade de Carnegie Mellon, David Klahr, professor de Desenvolvimento Cognitivo e Ciências da Educação da Universidade de Carnegie Mellon, e Cármen Muñoz, professora de Linguística Inglesa e Linguística Aplicada na Universidade de Barcelona - é importante para Portugal olhar à sua volta?

CF: A FFMS está interessada em fazer a análise e o diagnóstico da Educação em Portugal para possibilitar a todos uma melhor percepção do país que somos. E isso passa muito por comparações internacionais. Queremos cotejar-nos na cena europeia e mundial. E queremos aprender com o que se passa noutros lados, quer para evitar cometer os mesmos erros, quer para imitar os casos de sucesso. Chamamos alguns dos melhores especialistas internacionais porque eles nos trazem outras realidades e porque o seu olhar exterior é muito útil para compreender a nossa realidade e atuar sobre ela no melhor sentido.

E: Qual o futuro da Educação do nosso país?

CF: Na Educação progredimos nalguns indicadores mas estamos ainda longe dos níveis dos países mais desenvolvidos, onde existe mais e melhor Educação. O nível geral de qualificação da nossa população ativa ainda é baixo. Podemos melhorar, temos de melhorar. A maior riqueza de Portugal são os seus recursos humanos. Quanto mais formação tiverem os cidadãos, maior será a nossa riqueza. O nosso sistema educativo terá necessariamente de evoluir para formar mais e melhor os portugueses. Sem Educação, ou melhor, sem uma Educação qualificada, o nosso país não tem futuro. O futuro da Educação é, portanto, o futuro do país.

3 comentários:

Óscar Barbedo Faria disse...

Professor Carlos

Não discordo de nenhum dos pontos que refere nesta entrevista. No entanto sabemos que a educação é uma quimera sem fim, cujos caminhos são infindáveis, bem como os argumentos que os sustentam. Apesar disso, gostaria de partilhar consigo um pequeno excerto de um livro (o qual não refiro o seu nome ainda pois iria perturbar a discussão futura, mas que terei todo o prazer em divulgá-lo após emitir a sua opinião sobre este excerto.)

"Porque não permitem que os jovens aprendam o raciocínio lógico e crítico, a resolução e a criação de problemas, utilizando os instrumentos da sua própria intuição e o seu mais profundo saber, em vez de regras, sistemas e conclusões memorizados de uma sociedade que já se provou totalmente incapaz de evoluir por esses métodos, mas que continua a usá-los?
Finalmente, ensinem-lhes conceitos e não disciplinas.
Concebam um novo currículo, e construam-no em torno de três Conceitos Nucleares:
Consciência
Honestidade
Responsabilidade
Ensinem aos vossos filhos estes conceitos desde a mais tenra idade. Que façam parte do currículo até ao último dia. Baseiem neles todo o vosso modelo educativo. Façam com que a instrução nasça deles."

Óscar

Kynismós! disse...

Engraçado, mas a sociedade parece bem evoluída utilizando os tais métodos...

José Batista da Ascenção disse...

"A escola tem de adivinhar o futuro"
Tem mesmo?
A sério?
Já alguma (alguma vez) conseguiu?

Pobre de mim.

As ciganas é que costumavam fazer isso, não era?
E os astrólogos...
E os almanaques do Borda d´Água, embora só por um ano.
E mais antigamente os bruxos...

Ah, e... os políticos!
E também os agiotas. Estes com mais sucesso, para eles!
Mas, mesmo assim...

Pronto, concedo, até nem fica mal no título.

Porém...

Valha-nos Deus!

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