quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

Ladainha dos Póstumos Natais

Ladainha dos Póstumos Natais, poema de David Mourão-Ferreira recentemente escolhido pelo classicista e também poeta José Ribeiro Ferreira para integrar a antologia que organizou - Dois poetas e um Natal - e para a dizer, porque a poesia é (também) para ser dita.

Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que se veja à mesa o meu lugar vazio

Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que hão-de me lembrar de modo menos nítido

Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que só uma voz me evoque a sós consigo

Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que não viva já ninguém meu conhecido

Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que nem vivo esteja um verso deste livro

Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que terei de novo o Nada a sós comigo

Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que nem o Natal terá qualquer sentido

Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que o Nada retome a cor do Infinito


Cancioneiro de Natal in Obra Poética, 1996, páginas 244-245.

9 comentários:

joão boaventura disse...

Também do Miguel Torga

Natal divino ao rés-do-chão humano,
Sem um anjo a cantar a cada ouvido.
Encolhido
À lareira,
Ao que pergunto
Respondo
Com as achas que vou pondo
Na fogueira.

O mito apenas velado
Como um cadáver
Familiar…
E neve, neve, a caiar
De triste melancolia
Os caminhos onde um dia
Vi os Magos galopar…

Miguel Torga

joão boaventura disse...

Natal

Neste caminho cortado
Entre pureza e pecado
Que chamo vida,
Nesta vertigem de altura
Que me absorve e depura
De tanta queda caída,
É que Tu nasces ainda
Como nasceste
Do ventre da Tua mãe.
Bendita a Tua candura.
Bendita a minha também.

Mas se me perco e Te perco,
Quando me afogo no esterco
Do meu destino cumprido,
À hora em que Te rejeito
E sangra e dói no Teu peito
A chaga de eu ter esquecido,
É que Tu jazes por mim
Como jazeste
No colo da Tua mãe.
Bendita a Tua amargura
Bendita a minha também.

Reinaldo Ferreira

Anónimo disse...

LUGAR VAZIO

(Inédito)

Não há Natal este ano a vez primeira
em nossa casa, eivada de tristeza,
porque no teu lugar, à cabeceira,
não há ninguém para ocupar a mesa.

Acabou-se contigo a tradição
que vigorou no nosso nosso extinto lar,
cabendo agora à nova geração
não a deixar morrer ou se alterrar.

Os filhos saibam, netos e bisnetos,
no íntimo aconchego dos seus tectos,
viver no mesmo espírito essa festa!

A mim, por consoada, só me resta
buscar no céu contigo algum contacto
por ti rezando em frente ao teu retrato!

JOÃO DE CASTRO NUNES

Coimbra, Dezembro de 2002.

J. Norberto Pires disse...

Um dos meus poemas preferidos.
:-)
norberto

joão boaventura disse...

Talvez se possa conjugar a poesia com as canções do Natal, como esta dos Cavaquinhos de Marrazes, ou o agradável fado Canção de Natal, do fadista Alfredo Farinha.

Anónimo disse...

NATAL CIGANO

Dado o seu nomadismo secular,
de terra em terra, com a tenda às costas,
por montes, vales, quelhas e cangostas,
não vejo onde é que podem colocar

o seu presépio, como é tradição,
as famílias ciganas, para as quais,
bem como para o resto dos mortais,
veio Jesus também na ocasião.

Não quer isto dizer que não festejem
o cíclico retorno de Jesus
para por todos nós morrer na cruz.

Sem pátria, nada impede que desejem
umas às outras um Feliz Natal
mesmo que seja em pleno pantanal!

JOÃO DE CASTRO NUNES

Anónimo disse...

PRESÉPIO DE FAMÍLIA

Na sala principal do nosso lar
era hábito, na quadra do Natal,
fazermos o presépio, para o qual
cada um trazia o que quisesse dar.

Como eram numerosas as crianças,
chegavam-se a juntar em triplicado
os Meninos Jesus e, lado a lado,
vários rebanhos de ovelhinhas mansas.

Todos os anos aumentando os filhod,
era preciso pormos espartilhos
para o presépio não crescer demais.

O curiosoé que, condescendendo,
a par e passo que ele ia crescendo,
eram mais os Meninos do que as Mães!

JOÃO DE CASTRO NUNES

Anónimo disse...

Consoante a sua cruz,
mente devota ou ateia,
tem cada qual sua ideia
sobre o Menino Jesus!

JCN

Anónimo disse...

ELEGIA DOS IDOS NATAIS

Ao calor da lareira, no borralho,
da sala de jantar, era um prazer,
após um longo dia de trabalho,
na mesa o bacalhau ver a ferver.

Era Natal, era a denominada
noite de consoada, entre a família,
que se estendia até de madrugada,
em santa e cristianíssima vigília.

No seu prersépio, todo engalanado,
o Menino Jesus sobre as palhinhas
fazia que dormia, entre ovelhinhas,

enquanto sua Mãe sorria ao lado,
prestando-lhe homenagem na certeza
de Ele um parto não ser da natureza!

JOÃO DE CASTRO NUNES

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