quarta-feira, 31 de março de 2010

O medo de exercer autoridade

No último programa de televisão, Prós e Contras, Helena Matos pôs a seguinte pergunta: Alguém que resolva, de facto, exercer autoridade na escola, o que é que arranja? E, respondeu, pondo a tónica num fenónemo estranho, que talvez se possa designar por "realidade paralela", e cuja existência se vai detectando através de vários indícios: a imagem que a escola se esforça por dar para o exterior (e para o interior?), a desistência (por múltiplas razões) de quem tem responsabilidade de educar, os eufemismos da linguagem que se usa...

"A propósito do suicídio daquele professor da escola de Fitares, a questão da acta é importante, porque a acta que ficou, independentemente das razões que o levaram àquela decisão desesperada (...) tinha deixado para acta as suas opiniões sobre o que acontecia naquela turma, e a acta que foi assinada não tinha nada disso (...). Entretanto, os professores, os mesmos que assinaram a tal acta em que isso não constou, já acham que deve constar lá as queixas que ele fez sobre aquela turma. Mas, simultaneamente, a dita acta terá desaparecido.
O que é que constava da acta que foi aprovada? Visitas de estudo (…) ou seja, uma realidade mais ou menos radiosa, que não trás problemas a ninguém, que dá ideia que está tudo a correr bem, que estamos todos a cumprir os objectivos (…).
É esta opção por uma fantasia, é sobre este manto diáfano da fantasia que se escondem as mais terríveis das verdades. (…)
A ideia de que não existe autoridade é falsa, pois quando alguém que deve exercer autoridade não a exerce porque já não quer, porque não pode, porque já não está para isso, porque está cansado, porque é ridicularizado, porque é vexado, impõe-se a lei do mais forte.
É preciso perceber que em qualquer escola, pública, privada, laica, religiosa, militar podem acontecer casos de suicídio, casos de agressão, casos de indisciplina. É como nas nossas casas, pode acontecer tudo. O que é diferente, o que mostra a nossa lucidez é a forma como se lida com o problema.
Quando escondemos o problema, quando deliberadamente escondemos o problema, e quando se cria uma própria linguagem… O Ministério da Educação há anos que tem uma linguagem, que é o celebre eduquês (são os comportamento disruptivos, as disfuncionalidades...), as coisas deixam de ter os nomes reais. Aquilo que é sintomático da indisciplina é mau comportamento, não é o bom comportamento (…). E depois, quando uma pessoa pretende chamar a atenção para certas coisas, é rotulagem excludente (…) Esta terminologia faz toda a diferença, é o mesmo que dizer que não há mentira, que há inverdades. A inverdade não existe: existe a verdade e existe a mentira."

4 comentários:

Luís Ferreira disse...

... e ainda há-de ser bem pior...

http://educar.wordpress.com/2010/03/31/o-triunfo-da-demagogia-e-do-sucesso-estatistico/

José Batista da Ascenção disse...

Há mais de duas décadas que sou professor do ensino secundário. E o problema retratado (sublinho o retratado) no texto tem sido uma constante, domo direi? - progressiva!, no pior sentido. A contradição nos termos é propositada e intencional, assumo... Seria bonito se alguém se desse ao trabalho de ir ler as actas onde são referidas as actividades e virtudes da defunta "área escola" ou os aspectos (extraordináriamente) positivos da actual "área de projecto", a que alguns se referem em particular como "área dejecto". A escola é uma ficção? Eu diria que casa bem com o país: uma ficção real e dolorosamente sofrida. Mas quem se importa? O que parece ser preciso é curar as mordidas de cão com o pêlo do mesmo cão, ainda que o cão já nem pêlo tenha...
E responsabilidades, quem as tem?
E chamar as coisas pelos nomes, quando vamos ter coragem?
E mais não digo. O que é é e está bem à vista. Só não vê quem não quer ver...

Carlos Pires disse...

E a Helena de Matos nunca deve ter visto um guião de instruções para as reuniões do Conselho de Turma com a seguinte recomendação: Substituir a expressão "negativa" por "classificação inferior a dez valores" e "positiva" "classificação superior a dez valores".
No "1984" G. Orwell mostrou que controlar a linguagem é um meio para controlar o pensamento e a percepção da realidade. E foi isso que fizeram todos os estados totalitários (basta pensar nas fotografias, livros e discursos rasurados na União Soviética).

Anónimo disse...

Foi esse medo... que originou a personagem bíblica de Pôncio Pilatos! JCN

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