quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

O GRANDE COLISIONADOR HADRÓNICO


Post convidado de João Carlos Carvalho (na imagem, o detector da experiência Atlas, no LHC do CERN, pnde o autor tem trabalhado):

Em Novembro de 2009 o grande colisionador hadrónico (LHC) voltou a funcionar no laboratório europeu de física de partículas (CERN), junto a Genebra, na fronteira entre a França e a Suiça. Após cerca de 20 anos de desenho e construção, nos primeiros testes, realizados em Setembro de 2008, o acelerador de partículas sofreu uma avaria grave e esteve parado mais de um ano para reparações e melhoramentos. Agora a máquina, com os seus 27 km de perímetro a maior jamais construída pela humanidade, teve um reinício muito promissor, tendo logo nos primeiros dias batido o recorde de energia em laboratório, em colisões de protões que atingiram o valor de 2.36 TeV (tera electrões-volt).

A 20 de Novembro de 2009 era enorme a expectativa e tensão nas salas de controlo do LHC e das experiências instaladas em cavernas ao longo do percurso do feixe. Enquanto os especialistas faziam os ajustes finais nos parâmetros da máquina, os olhos não largavam os ecrãs onde eram mostradas informações acerca do estado e posição e estado do feixe. Ao longo de cerca de 2 horas o feixe foi percorrendo cada vez maior distância dentro do túnel, um oitavo do seu perímetro de cada vez, até que finalmente completou uma volta, acompanhada de uma explosão de alegria geral. Seguiram-se as primeiras colisões com os colimadores do feixe, produzindo enormes quantidades de partículas, registadas pelos diferentes detectores, provando deste modo que estes também estavam a funcionar e preparados para registar os acontecimentos produzidos.

O LHC representa um enorme esforço científico global. Dada a sua dimensão, complexidade e custo é um empreendimento que não está ao alcance de um único país; os recursos têm de ser reunidos numa colaboração que envolve países de todos os continentes, desde Marrocos ao Canadá, do Brasil à Coreia do Sul, passando pela generalidade dos países europeus. Portugal, como estado membro do CERN (desde 1986), entrou no projecto logo no seu início, participando no desenho, construção e operação de dois dos detectores instalados (ATLAS e CMS), em estudos de simulação de física de partículas, e no fornecimento, por parte da indústria portuguesa, de componentes e serviços para a construção da máquina.

Para conseguir alcançar a enorme energia de colisão necessária para revelar e estudar nova física, é necessário curvar os feixes de protões para que percorram a trajectória circular sempre dentro do tubo de vazio no interior do túnel, escavado a cerca de 100 m de profundidade. Esta curvatura é apenas possível usando campos magnéticos muito intensos, de 8,33 T (cerca de 200 mil vezes mais intensos que o campo magnético terrestre), que precisam de correntes eléctricas muito elevadas para serem produzidos.

Para minimizar as perdas devido à resistência eléctrica, o LHC é a maior instalação supercondutora do mundo (a supercondutividade, ou condução de corrente eléctrica sem resistência, é uma propriedade de alguns materiais atingida apenas abaixo de uma certa temperatura crítica). Para arrefecer o material supercondutor, uma liga de nióbio-titânio, é usado hélio no estado líquido, a 271 graus abaixo de zero, mais frio que o espaço exterior. Os enormes depósitos especiais usados para armazenar o Hélio foram especialmente desenvolvidos e produzidos pela indústria portuguesa.

E o que se pretende estudar com todo este esforço, envolvendo mais de 6000 físicos e engenheiros de todo o mundo? Muitas das questões fundamentais da física de partículas, e logo do nosso conhecimento da constituição mais elementar da matéria e do início e evolução do Universo, estão ainda por esclarecer. Exemplo disto é a constituição da matéria negra, que sendo cerca de 25% da massa do Universo ainda não temos a mínima pista acerca da sua origem (bem como da chamada energia negra, que constitui cerca de 70% do Universo). Ou porque é que as partículas elementares têm massa, e porquê massas diferentes (aqui pode entrar em acção o chamado bosão de Higgs, também ainda não descoberto). Ou porque é que o Universo é essencialmente constituído por matéria e não também por antimatéria. Ou se será possível criar micro buracos negros em laboratório (são buracos negros que se evaporam rapidamente, não aqueles que consomem galáxias inteiras, que não são possíveis criar em laboratório). E muitas outras questões igualmente importantes e fascinantes. No LHC a energia da colisão de protões transforma-se na massa de conhecidas ou desconhecidas partículas, seguindo a relação de Einstein. O trabalho dos físicos, após o registo desses acontecimentos no centro dos detectores, é analisar os dados, interpretá-los à luz do conhecimento actual e testar novas teorias, quando as antigas não descrevem o que é observado.

Todos os anos cada experiência do LHC registará milhares de terabytes de dados. Para o seu armazenamento, reconstrução e análise são necessários cerca de 100 mil dos processadores actuais. Como não é prático instalar essa capacidade computacional num único centro (nem existe financiamento para tal), recorreu-se ao conceito de computação distribuída designado por Grid de computação, em que muitos centros, grandes e pequenos, partilham a tarefa de reconstrução e partilha dos dados, ficando assim acessíveis a todos os investigadores envolvidos nas experiências. Em Portugal existe um centro de cálculo de Grid dedicado aos dados do LHC, numa federação entre três centros, dois em Lisboa e um em Coimbra. Tal como o conceito de World Wide Web (www), desenvolvido no CERN nos anos 1980, permitiu a partilha de informação a nível global, expandindo enormemente o alcance da sociedade da informação e facilitando o acesso ao conhecimento, também o conceito de Grid de computação permite o acesso a meios de cálculo poderosos a qualquer investigador localizado em qualquer parte do mundo. A tecnologia de ponta desenvolvida e utilizada no LHC, seja em computação, materiais, detectores, sensores ou software, entrarão, mais tarde ou mais cedo nas nossas vidas.

O Laboratório de Instrumentação e Física Experimental de Partículas (LIP), Laboratório Associado, esteve desde o início envolvido em duas das grandes experiências do LHC: ATLAS e CMS. Por exemplo, a Delegação de Coimbra do LIP, instalada no Departamento de Física, está envolvida na colaboração ATLAS, tendo desenvolvido, produzido e instalado componentes para o detector, para além de importantes estudos no âmbito da simulação e análise de dados, tendo realizado reconhecido trabalho no estudo das propriedades do quark top, a mais pesada das partículas elementares conhecidas. O detector ATLAS, um cilindro com 44 m de altura e 25 m de diâmetro, é o maior e o mais complexo detector de partículas jamais construído.

Após uma curta paragem de Inverno, o LHC irá iniciar agora a sua operação regular e, previsivelmente, bater novos recordes de energia e de taxas de colisão, e produzir dados que poderão revolucionar não só a Física como também a nossa imagem da Natureza e do Universo.

João Carvalho (LIP Coimbra)

7 comentários:

Anónimo disse...

Gostei muito do artigo, informativo e escrito numa linguagem acessível.

Fazem sentido as perguntas seguintes?

1 - Para lá do bosão de Higgs, que probabilidades há de detectar partículas cuja existência é apenas teórica?

2 - E que fenómenos se esperam eventualmente observar, pela primeira vez?

Américo Tavares

Anónimo disse...

Poesia com Ciência
um par fazem muito gay,
pois segundo a nova lei
deixou de ser indecência.

JCN

Anónimo disse...

A CHAVE DO MISTÉRIO

Os físicos há muito que conhecem
com o maior rigor e precisão
o modo como as coisas acontecem
embora desconheçam a razão.

Sabem perfeitamente a que obedecem
os átomos na sua formação
e não menos as leis que estabelecem
a sua força de destruição.

Só que no seu supremo magistério,
carecem de qualquer resposta a sério
sobre o porquê da fórmula encontrada.

Sobre este aspecto não conhecem nada
porque, sendo matéria reservada,
só Deus possui a chave do mistério!

JOÃO DE CASTRO NUNES

joao c disse...

Só uma curta resposta ao Américo Tavares:
1. O bosão de Higgs é apenas umas das partículas previstas que irão ser procuradas, talvez a mais mediática de todas, e sem a qual o modelo padrão da física de partículas entraria em sérias dificuldades. Mas existem muitas outras, pertencendo à area da física para além do modelo padrão, como partículas supersimétricas, bosões pesados e todo um conjunto de partículas "exóticas" que irão ser objecto de procura intensa.
2. Os fenómenos inesperados são sempre mais interessantes do que os esperados... Actualmente sabemos que o modelo padrão pode não estar errado, mas certamente não está completo. Não explica de uma forma natural todos os fenómenos observados e tem um número demasiado elevado de parâmetros livres para ser uma teoria fundamental e última. Sabemos que deverá existir um novo modelo, de que o actual modelo padrão é uma aproximação na gama de energias que estudámos, mas não sabemos qual é. Existem muitas propostas, como as supercordas ou as dimensões extras, mas não sabemos qual irá descrever os novos dados obtidos a mais alta energia no LHC.

João Carvalho

Anónimo disse...

Esse será veramente
o fascínio da ciência:
indagar conatantemente
sem perder a paciência!

Ir de degrau em degrau
à procura da verdade
para no fim dizer: "Mau,
falta-me a outra metade!".

E Deus a rir.se no céu
por detrás de espesso véu!

JCN

Anónimo disse...

João Carvalho,

Agradeço-lhe a sua resposta esclarecedora.

Américo Tavares

Anónimo disse...

Corrijo a gralha "conatamente" por "constantemente. JCN

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