domingo, 31 de janeiro de 2010

A força das convicções


("Two Men" de Pavel Filonov, 1938)

(Coluna "Olhares da UC", Jornal As Beiras, 25 de Janeiro de 2010)

O Governo apresentou na Assembleia da República uma proposta de lei que consagra o casamento entre pessoas do mesmo sexo. A referida proposta foi aprovada na generalidade no dia 8 de Janeiro. As propostas alternativas de partidos da oposição que incluíam o direito de adopção de crianças foram rejeitadas, assim como a proposta para a realização de um referendo. Parece legítimo concluir que a maioria do parlamento pensa que o casamento de pessoas do mesmo sexo deve ser permitido, mas não deve ser autorizada a adopção de crianças, nem deve existir um amplo debate nacional sobre esta questão.

Não há nada de mais errado, e tudo isto mostra bem a ausência de convicções daqueles que nos governam e daqueles que nos representam na Assembleia da Republica.

Elenco as várias razões que me levam a pensar assim:
1. O casamento entre pessoas do mesmo sexo é um assunto muito importante, mas não é uma prioridade do momento. A acção governativa deve ser pautada pela definição de prioridades. Ora, existem muitos outros assuntos que exigem a nossa concentração e energia, pelo que esta parece ser uma forma de desviar a atenção sobre esses assuntos.
2. Mas sejamos claros. O conceito de família mudou. Essa realidade é difícil de entender para muitas pessoas, nomeadamente para as pessoas mais velhas, mas a verdade é que a família tradicional constituída por um pai, uma mãe e filhos biológicos do casal não é a única hipótese de família. Existem outras possibilidades que devem ser igualmente protegidas pela lei: entre elas as famílias compostas por casais homossexuais com ou sem filhos, de outros relacionamentos ou adoptados, e as famílias compostas por casais heterossexuais que não podem ter filhos. Tudo isto são famílias, e a lei do casamento não pode descriminá-las tendo por base a orientação sexual do casal, e muito menos a possibilidade física ou biológica de terem filhos.
3. É preciso perceber que as sociedades mudam e que estamos perante uma mudança civilizacional que tem de ser encarada com responsabilidade. Se é desejável que a lei reconheça e proteja as novas formas de organização familiar, também é igualmente necessário perceber e entender que não se alteram os pilares básicos na nossa actual organização social de forma leviana, sem o necessário debate. Sem dogmas, mas com discussão e esclarecimento.

Nessa perspectiva, penso que o Presidente da República deveria devolver o diploma à Assembleia da República sem promulgar a lei. Deveria fazê-lo alertando o parlamento e os portugueses para a necessidade de promover um amplo debate nacional sobre esta alteração na estrutura da sociedade em que vivemos. Um debate onde devem ficar claras as respostas às seguintes questões:

1. Devem as famílias de casais homossexuais ser abrangidas pela lei do casamento? (Em minha opinião, sim devem).
2. Devem todas as famílias, independentemente da sua orientação sexual, ter os mesmos direitos e deveres, o que inclui o direito de casar, adoptar crianças, etc? (Em minha opinião, sim devem).

As alterações fazem-se debatendo com os cidadãos convencendo-os com a força das nossas convicções. Mas todos têm o direito de pensar, discernir e decidir.

15 comentários:

Eva Gonçalves disse...

Concordo integralmente com o exposto. Aprovar uma lei que autorize o casamento homossexual, negando a possibilidade de adopção, é destituir esse casamento da noção da família, dizendo aos Portugueses que uns Portugueses continuam a ser de segunda... sem competência(?), para serem pais. Ou é casamento, ou não é! As pessoas tendem a refugiar-se numa atitude de preocupação com o bem-estar das crianças eventualmente adoptadas por casais homossexuais e pelo seu normal desenvolvimento. Está certa esta preocupação, evidentemente. Mas não há estudos que evidenciem ser o convívio com homossexuais prejudicial para as crianças, nem tão pouco, orientadora da sua própria sexualidade. Serão porventura, homens e mulheres mais tolerantes. E que não pensem todos os casais homossexuais que num futuro que se espera próximo( eu espero que sim, que tenham em breve esse direito), terão de imediato direito a adoptar, por serem homossexuais, (como se pudessem depois acusar os responsáveis de discriminação, se forem recusados), porque o que está em causa é como sempre, o melhor interessa da criança e cada caso, cada casal, será analisado individualmente, e não à luz de uma recente alteração da Lei. Por isto tudo, o "medo" de que veremos um crescente número de casais a "influenciar" e a "moldar" a orientação sexual de crianças adoptadas, é completamente infundado. Todas as mudanças na sociedade são vistas como ameaçadoras... até um dia, se banalizarem... Cumprimentos

Armando Quintas disse...

Os sectores reaccionários não querem o casamento nem adpoção por parte de homossexuais porque segundo o seu cérebro cheio de ideias recalcadas e retorcidas da realidade.

Todos nós nos iremos tornar homossexuais.
Se os "maricas" casarem, todos nos tornamos "maricas", se os "maricas" adoptarem, as crianças no futuro serão "maricas" !
é esta a óptica de pessoas que não querem sair da idéia da família tradicional.

A questão é: tem direito e legitimidade o estado de um país democrático fazer leis sobre assuntos como este com base na ideia de meia dúzia de atrasados mentais e da padralhada em geral? quando a maioria da sociedade já está tolerante a respeito destas questões?

Que direito tem o estado de interferir na sexualidade das pessoas e julga-las e permitir ou não permitir a fruição da sua vida com base na sua sexualidade influenciado por ideias que já não se enquadram na sociedade actual?

na minha opinião não tem direito algum o estado de negar a plena vivência de alguém devido à sua sexualidade, quando essa mesma vivência não prejudica terceiros!

Os homossexuais ao casarem não estão a prejudicar ninguém!
Os homossexuais ao adoptarem não estão a prejudicar ninguém! pois não há estudos que indiquem que as crianças se tornem homossexuais..

Então qual é a polémica?

Anónimo disse...

"A questão é: tem direito e legitimidade o estado de um país democrático fazer leis sobre assuntos como este com base na ideia de meia dúzia de atrasados mentais e da padralhada em geral? quando a maioria da sociedade já está tolerante a respeito destas questões?"
A resposta é obviamente sim, pelo menos na democracia representativa.

Anónimo disse...

Caro anónimo das 23:11:
A resposta é obviamente não. O estado não deve tutelar as relações amorosas, de onde se deduz que não deve haver casamento gay, as relações que os gays estabelecem, sem prejuízo de terceiros, só a eles diz respeito, o estado não tem que se meter.

Anónimo disse...

CAROS
Concordam com o anúncio TV de publicidade ao uso,
sem dúvida saudável, de preservativo? Com manifestações reiteradas de carinho: bilhetinhos, afectos, outras?
O anúncio levará estes parceiros homossexuais a protegerem-se?
Se sim, por que não admitir que a carga afetiva da mensagem levará também por exemplo jovens masculinos coabitando, compartilhando espaços, a imitarem o jogo de sedução do casal do anúncio?
E a potenciar eventuais tendências homossexuais
existentes neles?
Será isso saudável?

Xenogamia - julgo poder chamar assim a relações sexuais entre seres de espécies diferentes. Sabemos, mesmo pela NET, que o acto não tem nada de incomum: homens com cabras ou ovelhas, ou porcas, ou cadelas, ou burras - desde que com cio:
Mulheres com cãezinhos de raças especializadas, mas tb com corpulentos pastores alemães, mastins, mas tb com burros e cavalos (ver entre outras a porno Cicciolina)

algum dos defensores acérrimos das ditas "liberdades"sexuais aceitaria como normal ver a mãe ou uma irmã a ser desfrutada sexualmente pelo "familiar" Burro da Quinta?
Talvez eu seja retrógrado ou conservador. Talvez reacionário. Mas saibam que não gostaria mesmo nada de ser confrontado com semelhante situação
sexuais

Anónimo disse...

Caro anónimo das 18:46:
Não estou a perceber. Não me meto nas actividades sexuais dos meus amigos ou familiares como também eles não se metem nas minhas. E Você também não intervem nas minhas acividades nem eu nas suas. Quanto à primeira parte: se estimular alguém a fazer aquilo de que gosta, qual é o mal? E se certos programas estimularem o consumo de açúcar que pode provocar diabetes etc. etc.? Eu tenho as práticas sexuais de que gosto (e pouca gente as conhece, costumo praticar em privado). É difícil perceber o que você pensa. Antigamente embirrava-se com as práticas religiosas, por exemplo se uma pessoa em sua casa fazia cerimónias judaicas. Agora embirra-se com o que eu faço na cama?

Anónimo disse...

O estado não deve tutelar as relações gays, concordo, mas com o caso da adopção é completamente diferente pois envolve terceiros e os direitos dos adoptados devem ser protegidos por lei. Aliás é difícil entender por que é que os gays querem adoptar uma vez que não se percebe qual a relação entre amor gay e reprodução. A não ser que se pense que o casamento tem por objectivo principal a reprodução.

Anónimo disse...

Se uma mulher tiver em casa um cão e goste de certas práticas com ele, o estado deve proibir? Acho que você está a gozar...Deixe-os lá e não chateie. Se você não gosta, não pratique. E deixe as suas irmão em paz ... fazendo aquilo de que gostam. Idem para mãe e filhas e não se meta.Ou mete?

platero disse...

"se uma mulher tiver em casa um cão e goste de certas práticas com ele, o estado deve proibir?"

Não deve nem pode proibir, julgo consensual

Não deve é permitir, e até financiar, divulgação do acto, sob que pretexto for, como no caso vertente - para incentivar uso do preservativo.

ou aprova passagem de anúncio similar - para milhões de espectadores - em que protagonistas
são a artista de novela e seu rafeiro de estimação?

Sabemos que milhares de consumidoras de anúncios TV mudam de sabonete por influência directa da referida artista de novela. Numa óptica consumista nada há de condenável no processo.

Se milhares de consumidoras adoptarem a prática sexual implícita no anúncio será isso igualmente inofensivo?

se pensam que sim, serei eu então que estou errado, que sou bota-de-elástico - e na verdade já tenho mais de meio-século de existência

Anónimo disse...

Não se trata de divulgar por divulgar. O tal anúncio visa a defesa contra a SIDA e esta transmite-se mais facilmente por relações homossexxuais...

platero disse...

e se se tratar de INCESTO?

o pai tem relações sexuais com as duas filhas. Uma delas menor.
Claro que ninguém tem nada a ver com isso. Mas é ou não uma situação de risco?

e se o Ministério da Saúde, porque sabe que as relações incestuosas são frequentes no país, se lembrar de encomendar um anúncio de combate à SIDA em que apareça o pai a ajeitar a cama com dois lugares sugerindo inequivocamente que a almofada do lado é para uma das suas filhas - o senhor acha isso perfeitamente normal?

Sabemos (?), como alguém já disse lá atrás, que ninguém vai entrar nesse desvio comportamental só pelo facto de ter visto na televisão. E será assim de facto?

Anónimo disse...

O incesto é um tabu ainda muito forte. A homossexualidade está a deixar de o ser. Ou seja se fosse eu a decidir votaria a favor de um spot com 2 homossexuais e contra um que incluísse incesto ou pedofilia. Sei que se quero combater a propagação da SIDA sem pregar moral seria muito mais eficaz assim.

platero disse...

"O incesto é um tabu AINDA muito forte"
Parece admitir que um dia deixará de o ser.
Em favor da Liberdade sexual Total, deduzo...

Excluiria então incesto e pedofilia.
e a tal xenogamia?

ora, ora

Anónimo disse...

Isto é um assunto muito mais complexo do que o autor pensa enquanto escreveu este post
Ser filho de 2 pais ou de 2 mães é muito diferente de ser filho de uma familia normal constituída por pai e mãe... os mínimos conhecimentos de psicologia ou filosofia, independentemente da opinião pessoal acerca do assunto, levaria a concluír que isto iria provocar mudanças severas em Portugal (neste caso).

Talvez se Desidério Murcho fosse o autor da postagem teria uma opinião diferente.

Anónimo disse...

Caro Platero
O que acontecerá um dia é impossível de advinhar. Temos de decidir em função da sociedade em que estamos e não da que imaginamos. Existirá o conceito de incesto daqui a 50 mil anos? Como posso saber? Mas sei que há práticas e conceitos de há 20 mil anos em que hoje ninguém acredita. A História tem sido feita de mudança. Continuará assim a mudar ou, finalmente, pára?

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